
Por David Ibarra
Maria acorda. Ela se levanta com dificuldade e põe os chinelos. Caminha devagar. Curvada. Enxergando o chão. Quando era moça, ela era forte como um touro e gata. Ainda mantém a severidade no seu rosto. Chega até o sofá e se senta. Seu filho saiu de casa faz uma hora para o trabalho. Tomou café da manhã com ela. Agora ela não tem com quem falar. Mais, não importa. Aprendeu a falar com a televisão.
No primeiro andar, acima, seu neto briga com seus filhos pequenos. Quando escuta os gritos, ela se sente contente. Imagina-se acompanhada mesmo que não seja assim. Ela não pode ter boca de siri, mesmo se quiser. Esquece tudo o que acontece. E repete tudo, todos os dias, dezessete ou vinte vezes, como uma máquina. Recebe uma chamada telefônica para lembrá-la de tomar os medicamentos, com o almoço, tentando deter o esquecimento. Para evitar uma intoxicação, lhe deixam uma só pastilha.
Sua filha Beatriz é a ovelha negra da família. Não a visita. A outra filha fez questão dela não sair de casa. O toque de recolher a deixou isolada. O dia termina. Seu filho retorna a casa. Tudo se repete. E assim será amanhã, e depois também. Ela representa a rotina na vida.